Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Bernardo Cid
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A0392
Bernardo Cid (São Paulo SP 1925 - 1982). Pintor, escultor, desenhista e gravador. Autodidata. Expõe individualmente pela primeira vez em 1952, na galeria Ambiente, em São Paulo. Ganha concurso de escultura da Câmara Brasileira do Livro (CBL), sendo responsável pela concepção da estatueta do prêmio Jabuti, em 1959. Nos anos 1960, participa do grupo Realismo Mágico, com Wesley Duke Lee (1931 - 2010), e do grupo Austral, desdobramento do movimento Phases de Paris, em São Paulo. Em 1965, expõe na mostra Propostas 65, na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. Participa da 5ª e 8ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1959 e 1965, respectivamente. É premiado, em 1968, no 17º Salão Paulista de Arte Moderna. Em 1976, figura como artista convidado na Bienal Nacional 76, na Fundação Bienal, em São Paulo. Em 1997, seu trabalho integra a exposição Phases: Surrealismo e Contemporaneidade, Grupo Austral eCone Sul, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP).
Comentário crítico
Preocupado com aspectos gráficos nos anos 1950, Bernardo Cid passa a interessar-se pela abstração informal durante o início do decênio seguinte. Segundo o crítico Mario Schenberg, essa fase dita informal termina em 1964, quando Cid retorna à figuração, incorporando elementos fantásticos ou oníricos.
De fato, a mudança na poética de Cid coincide com uma transformação do meio artístico local, quando o interesse de fins da década de 1950 e início de 1960 pela abstração, tanto geométrica como informal, é substituído pela atenção para as novas figurações. Dessa fase de retorno à nova figuração é a escultura Criatura Vestida (1966), na qual um amálgama de elementos de natureza díspar, que remetem simultaneamente ao orgânico e ao mecânico, se fundem num todo assimétrico e compacto.
Poema Concreto de Pedro Xisto, também de 1967, faz referência clara à arte pop e à poesia concreta. As palavras que compõem o poema concreto mencionado no título, homenageando o poeta pernambucano Pedro Xisto (1901-1987), se sobrepõem às figuras como numa colagem, expediente comum na produção do artista nesse período.
Simultaneamente, nos anos 1960, seu trabalho adota uma temática de social - que transparece no tratamento deformador da figura humana - como em Nós Esperamos(1966). Nas décadas seguintes, Cid segue com várias pesquisas, sobretudo, em pintura elitogravura.
Nascimento/Morte
1925 - São Paulo SP
1982 - São Paulo SP
Cronologia
Escultor, gravador, pintor
1945 - Começa a pintar como autodidata na capital paulista
1959 - Recebe, em São Paulo, o 1º prêmio em escultura, em concurso promovido pela Câmara Brasileira do Livro, elaborando a estatueta Jabuti
1968 - Integra em São Paulo, o Grupo Austral (Movimento Phases), movimento artístico internacional sediado em Paris e com desdobramentos no Brasil, formado por artistas de diversas nacionalidades
1969 - É convidado pelos cineastas da National Film Board, do Canadá, para representar o artista brasileiro no documentário Comparaisons, que é levado ao ar pela TV Educativa naquele ano
Críticas
'Nas fases figurativas anteriores a 1960, Bernardo Cid experimentou várias técnicas. De um modo geral, o grafismo desempenhou o papel mais importante nesse período, se bem que tenha empregado também uma técnica de esmaltes. A partir de 1960 iniciou sua fase abstrata informal, que se prolongou até o fim de 1964, quando voltou de novo ao figurativismo. A pintura informal de Cid apresenta um interesse considerável. Algumas obras desse período se aproximam do expressionismo abstrato, revelando um senso cósmico acentuado, adequadamente comunicado por uma linguagem pictórica rica de sensibilidade cromática. A visão cósmica de Cid tem uma dramaticidade contida mas forte. Ela reapareceu combinada com outros elementos em alguns dos seus quadros neo-realistas de 1965. A passagem pelo informalismo enriqueceu consideravelmente a pintura de Cid, combatendo uma predominância excessiva de grafismo, evidenciada nas fases precedentes. Aprimorou o seu senso espacial e deu-lhe musicalidade. Há um ano, Cid iniciou a sua nova fase figurativa. Passou a desenvolver uma espécie de realismo mais ampliado, procurando captar a totalidade da pessoa, da situação ou da idéia poética. Esses trabalhos são complexos e fascinantes em sua combinação de realismo mágico ou fantástico com elementos da velha pintura metafísica italiana e a inclusão de colagens, palavras e textos escritos na composição plástica. Cid utilizou alguns poemas concretos e Haicais ou reminiscências como ´leit motiv´ para os seus trabalhos'.
Mário Schenberg
SCHENBERG, Mário. Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988.