Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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João Rossi
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A0324
João Rossi (São Paulo SP 1923 - idem 2000). Pintor, gravador, ceramista, escultor, muralista, professor. Em 1949 viaja para o Uruguai. No ano seguinte é diretor da Associação Cristã de Moços de Montevidéu, onde é professor de educação física e, paralelamente, de desenho e pintura. Em 1951 vai para o Paraguai trabalhar na Associação Cristã de Moços de Assunção e ministra conferências sobre arte e aulas de desenho, pintura e história da arte. Ensina pintura ao ar livre e novas técnicas de emprego do pincel e da espátula e forma o Grupo Arte Nuevo. Volta a São Paulo em 1953 e leciona na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP ao lado de Nelson Nóbrega (1900 - 1997), Lívio Abramo (1903 - 1992) e Wolfgang Pfeiffer (1912 - 2003). Em 1954 realiza a tela Mangacha - apelido de sua esposa, a ceramista paraguaia Isabel Olmedo (1926) - e, a convite de Flávio Motta (1916), leciona na Escola de Arte da Fundação Armando Álvares Penteado - Faap. Torna-se diretor dessa escola em 1959 e da Faculdade de Artes Plásticas da mesma instituição em 1962. Participa da 8ª Bienal Internacional de São Paulo em 1965. Executa com Caciporé Torres (1935) os murais História e Evolução da Cidade de São Paulo, para a fachada do Palácio dos Bandeirantes, em 1968. Em 1970 é professor da Faculdade de Artes Plásticas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Realiza mostra retrospectiva na Fundação Memorial da América Latina em 1999.
Comentário Crítico
Autodidata, João Rossi atua em países como o Paraguai, Uruguai e Brasil. Destaca-se pelo emprego da técnica polimatérica, caracterizada pelo uso de diversas matérias-primas na composição de sua obra, que ele divide em dois temas - Ameríndia e Urbanas. A temática Ameríndia tem origem no começo dos anos 1950, época em que reside no Uruguai e Paraguai, com base na percepção da desigualdade social vivida pelos índios sul-americanos. 'O ameríndio é intransferível no traço social que João Rossi, ao longo dos anos, conseguiu remontar em suas gravuras (...)'.1 Marginais, prostitutas, vendedores de flores e frutas e crianças mortas aparecem aqui tanto em gravuras, pinturas como em objetos.
Realiza as obras do eixo Urbanas a partir de 1953, quando volta a São Paulo, e se dedica ao desenvolvimento urbano e a iluminação do centro da cidade, como na obra Luminosos - Rua Álvaro de Carvalho com Av. 9 de Julho, de 1970. Aponta a transformação de lugares como a avenida 9 de Julho, apresentando em uma mesma obra antigos casarios e arranha-céus. As aquarelas, gravuras e pinturas dessa série têm em comum as gradações tonais com base na sobreposição de cores e mostram São Paulo como uma grande cidade. As duas temáticas se unem quando o artista insere a figura Ameríndia em algumas paisagens do eixo Urbanas.
Nota
1 CHRISTO, Anthony de. A face irreversível da América Latina. In: ROSSI, João. João Rossi. Elementos de Comunicação Visual Sensível (1950 a 1980). Campinas: Museu de Arte Contemporânea de Campinas, 1981.
Nascimento/Morte
1923 - São Paulo SP - 24 de dezembro
2000 - São Paulo SP - 18 de julho
Cronologia
Pintor, ceramista, gravador, professor
Autodidata
1950 - Diretor da Associação Cristã de Moços em Assunção
1950 - Diretor da Associação Cristã de Moços em Montevidéu
1953 - Volta para o Brasil e reside em São Paulo
1954/1959 - Leciona na Faculdade de Artes Plásticas da Faap
1957 - Diretor-presidente do Centro Cultural Brasil Paraguai, em Assunção
1959 - Diretor da escola de arte da Fundação Armando Alvares Penteado - Faap
1959/1972 - Diretor da Faculdade de Artes Plásticas da Faap
ca.1960 - Leciona na Associação Paulista de Belas Artes
1962 - Diretor e mentor da Faculdade de Artes Plásticas e Comunicações da Faap
1968 - Fundador e diretor da unidade de desenho e plástica da Faculdade de Filosofia da Universidade Mogi das Cruzes, São Paulo
1969 - Organizador e diretor da Faculdade de Desenho e Plástica da Universidade de Mogi das Cruzes
1970 - Diretor Pedagógico do Instituto de Menores Ana Rosa, em São Paulo
1970/1983 - Leciona na Faculdade de Artes Plásticas na Universidade Mackenzie
1972 - Professor da cadeira de iniciação às técnicas industriais da Universidade Presbiteriana Mackenzie
1973 - Coordenador da área de comunicações e Artes Universidade Mackenzie, Projeto Rondon
1974 - Dirige os cursos de especialização em artes plásticas e técnicas industriais na Universidade de Ribeirão Preto - Unaerp
1975 - Publica um álbum brinde para a Cetesb, com gravuras ecológicas em metal policrômicas
1975 - Tem quatro catálogos publicados na memória paulistana
1986 - Dedica-se ao magistério informal e cursos de especialização em gravura, escultura, desenho e pintura
1994 - Escreve, com outros autores, o texto crítico para a exposição de Cezira Carpanezzi, na Pinacoteca do Estado de São Paulo - Pesp
Críticas
'João Rossi foi em toda a sua longa carreira artística um pintor da cidade de São Paulo. A sua obra de paisagista urbano só pode ser comparada com as de Aldo Bonadei e Manuel Martins, na Escola Paulista. Distingue-se dos outros grandes paisagistas paulistanos pela captação de aspectos de São Paulo megalópolis, enquanto Bonadei pintou sobretudo a Bela Vista e Manuel Martins certos aspectos de maior calor humano. Rossi soube apreender a beleza dura dos prédios e das ruas, a sombra dos arranha-céus e o resplendor das grandes vias de comunicação, descobrindo a sua luz especial e a sua melancolia contemporânea. Com o seu talento de pesquisador pôde sempre encontrar a técnica adequada'.
Mário Schenberg
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988.