Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Vera Salamanca
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A0339
Vera Lúcia Escobar Salamaca (Porto Alegre RS 1948). Pintora, desenhista, gravadora. Freqüenta a oficina de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro com José Assumpção Souza, entre 1967 e 1975 e estuda na Faculdade de Belas Artes de Curitiba. Faz curso livre de desenho na casa de Alfred Andersen e curso de gravura, sob a orientação de Calderari, no ateliê de Poty. No Museu Paranaense, em Curitiba, desenha fragmentos de cerâmica e sambaquis, obra resultante de viagens arqueológicas na baía de Paranaguá, junto com o professor Oldemar Blasi. Em 1976, participa de performances com Ivald Granato em museus, em teatros e em galerias. No mesmo ano, passa a residir em São Paulo, onde faz cenários e alegorias para a Escola de Samba Nenê da Vila Matilde.
Nascimento
1948 - Porto Alegre RS - 12 de novembro
Formação
s.d. - Curitiba PR - Freqüenta a Faculdade de Belas Artes
1967/1975 - Freqüenta a Oficina de Gravura, com José Assumpção de Souza, no MAM/RJ
1968 - Curitiba PR - Freqüenta o Curso Livre de Desenho, na Casa Alfredo Andersen
1972 - Estuda gravura, sob a orientação de Fernando Calderari, no Ateliê Poty Lazzarotto
Cronologia
Pintora, desenhista, gravadora
1976 - São Paulo SP - Fixa residência
Críticas
'Aluna, em Curitiba, de Fernando Calderari, que estudou com Friedlaender, e de José Assumpção Souza, Vera Salamanca não começa entretanto como gravadora, mas como desenhista e pintora. Logo, a gravura adquire, em sua obra, papel relevante: o metal e a litografia prevalecem em suas escolhas de gravadora. Iniciando-se na litografia nos anos 70, lança-se em temática brasileira, intensamente marcada por empenho de resistência: o Araguaia significa diversas direções nas litografias de 1976, a um tempo políticas e antropológicas, pois põem em evidência as lutas de posseiros e povos indígenas. Quando a gravura em metal prevalece, algumas de suas investigações técnicas podem ser retomadas pela litografia, como também pela pintura, a qual pode pôr em evidência grafismos característicos das duas técnicas gráficas referidas. Não é surpreendente, pois, que Vera perfure, arranhe, raspe a própria pedra litográfica, o que amplia os recursos da técnica, que pode empregar ora pregos, ora cacos de vidro, quando não buris ou até instrumentos usados em odontologia. Todavia, o emprego nada canônico de tais instrumentos na pedra traduz a correção instrumental operante nas placas de cobre, em que se registram tanto os mais tênues cortes, quanto as mais vastas áreas de corrosão. Embora se afirme humoradamente 'metaleira', Vera Salamanca valoriza a intertradução das técnicas gráficas, de modo que as adoções de uma por outra sempre operam como interpretações que são não só especificadoras de cada qual como também ampliadoras dos respectivos recursos. As litografias recentes explicitam, assim, as pesquisas demoradamente feitas no metal- não se nota, de chofre, que uma lito é uma lito, não um metal, pois a transposição do repertório de uma técnica para a outra está perfeitamente adaptada às exigências gráficas respectivas. Todavia, como Vera afirma judiciosamente, uma litografia sua pode conquistar a luz de modo superior ao da luz ostentada no metal que lhe serve de referência em meditação também luminista.'
Leon Kossovitch
GRAVURA: arte brasileira do século XX. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000. p. 144.